As figuras do Caboclo e da Cabocla, ícones da celebração pelo 2 de Julho, estão enraizadas no imaginário popular dos baianos. Levados no desfile em um carro alegórico que faz alusão aos veículos de transporte de canhões durante a guerra, destacando sempre as cores verde e amarelo remetendo à nação, as figuras são símbolos que permeiam variadas histórias que remontam o período da Independência do Brasil na Bahia. Neste ano, em que se comemora o bicentenário do 2 de Julho, a programação especial da festa na capital baiana traz como tema “Salve nossa terra, Salve o Caboclo”.
O que os Caboclos representam? Como eles foram parar no cortejo do 2 de Julho? Ouça o 1º episódio do podcast especial Quem Fez o 2 de Julho
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De acordo com o professor de História da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Milton Moura, não é possível precisar em que ano as imagens dos caboclos surgiram como elementos do cortejo. Elas aparecem no desfile como representação do povo brasileiro, que lutou bravamente para consolidar a Independência do país. “Em 1824, já vemos o cortejo de comemoração ao 2 de Julho. Não sabemos exatamente quando a atual imagem do Caboclo foi criada, mas surge com certeza nesta mesma década e, uns 20 anos depois, vem a imagem da Cabocla”, afirma.
A tradição surgiu em 1824, quando veteranos das batalhas de independência se juntaram e desfilaram da Lapinha ao Terreiro de Jesus. A ideia era repetir o trajeto que fizeram um ano antes, ao entrarem vitoriosos em Salvador após a expulsão do exército português. Nos primeiros cortejos, eles seguiram uma antiga carroça que antes levava os canhões do inimigo, e que provavelmente estava em posse dos baianos como um troféu de guerra.
O detalhe é que, em cima daquela carroça dos primeiros desfiles, aparecia uma pessoa, um homem de etnia indígena. Ele usava trajes habitualmente associados aos indígenas e tinha ao seu redor ornamentos feitos com folhas e frutas. Ou seja: estava ali representada a imagem do Caboclo.
Mas, como o Caboclo foi parar ali? A imagem já estava presente há séculos na cultura e na religião dos baianos, justamente como uma figura de culto e de celebração. A tradição vem, sobretudo, do chamado Candomblé de Caboclo, no qual figuras indígenas também são adoradas, numa demonstração de respeito aos donos da terra, ou seja, aos ancestrais que aqui viviam muito antes da chegada dos escravizados e dos portugueses.
A escolha das figuras para representar os baianos, explica o professor, foi pautada no contexto social da época. Isto porque a figura do homem branco não podia ser exaltada por ser associada aos portugueses. O negro também não poderia ser escolhido para representar o povo porque, na época, carregava o estigma do escravismo. No impasse, foi escolhida a figura dos povos indígenas para materializar a plástica dos brasileiros nas imagens.
“Eles desfilam em cima de um dragão ou serpente representando que são vencedores, que derrotaram o opressor. A algazarra que se produzia e o sentimento de júbilo e glória com a passagem dos caboclos pelas ruas centrais é a glorificação de um tipo humano que pudesse arrematar todos nós”, pontua o professor.
Carro alegórico – O carro que transporta as figuras, destacou o artista plástico e professor da Escola de Belas-Artes da Ufba José Dirson Argolo, é todo carregado de simbolismos. Ambos os lados possuem gravados bacamartes e baionetas originais da guerra, anjos anunciado a vitória e cornucópias que remetem a prosperidade. Ao se conceber esse carro, foram aproveitadas no projeto rodas das antigas carroças que levavam os canhões inimigos para a guerra. Essas rodas ainda são usadas hoje.
Com base em suas pesquisas sobre os eventos históricos, Argolo, que é escolhido pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) para realizar anualmente o serviço de preservação das imagens, acredita que o surgimento da Cabocla ocorreu em 1846. Ele explica que a peça foi criada a pedido do Marechal Andréa, autoridade da época no Estado, e que acreditava que o Caboclo não deveria desfilar por demonstrar ódio de brasileiros por portugueses. Nesse contexto, foi encomendada a Domingos Pereira Baião uma escultura que representasse Catarina Paraguaçu. Porém, quando a obra ficou pronta, o povo não aceitou que o Caboclo fosse deixado de lado. Então, estima-se que, a partir deste ano, a Cabocla ganhou sua própria carruagem e passou a integrar o desfile.
“Para muitos, a Cabocla representa a liberdade. Ela é, além de Catarina Paraguaçu, todas as heroínas baianas, como Maria Felipa, Quitéria, Joana Angélica e todas as mulheres que batalharam pela Independência. Essa é uma festa que nasce do povo e acredito que a participação popular é o que há de mais importante no 2 de Julho”, afirma.
Ao mesmo tempo, como destacou o restaurador, os caboclos também são considerados divindades. Todos os anos, eles recebem presentes, flores e até mesmo bilhetes com pedidos de graça ou agradecimento. “Nestes 25 anos trabalhando na restauração das imagens, constantemente chegam pessoas implorando para chegar perto dos caboclos. Acho isso muito bonito e acredito que faz parte de nossa história”, salienta.
Homenagem – Na Praça 2 de Julho (Largo do Campo Grande), baianos e turistas podem apreciar ainda um outro marco da Independência do Brasil na Bahia: o Monumento ao 2 de Julho. Inaugurada em 1895, a obra é um pedestal de mármore de carrara, formada por dois corpos e escadarias do mesmo material.
Assentado sobre o pedestal uma coluna de bronze e, em cima, a figura de um índio com pouco mais de 4 metros de altura. Armado com uma lança, ele aparece matando uma serpente, imagem que representa o povo brasileiro vencendo o opressor. No total, o monumento mede 25 metros, contando com alegorias, símbolos e quadros em relevo que representam batalhas e nomes dos heróis que trabalharam pela independência do Brasil na Bahia.
ONDE OUVIR O PODCAST QUEM FEZ O 2 DE JULHO:
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Foto: Bruno Concha / Secom PMS