Autora que liderou estudo afirma que dados permitem novo olhar sobre vida extraterrestre.
Astrônomos elaboraram uma lista restrita de sistemas estelares próximos, onde qualquer “observador curioso” em planetas em órbita estaria bem posicionado para detectar vida na Terra.
Eles identificaram 1.715 sistemas estelares em nossa vizinhança cósmica dos quais alienígenas poderiam ter “descoberto” a Terra nos últimos 5 mil anos, observando-a “transitar” pela face do sol.
Entre aqueles que estão na posição certa para observar o trânsito da Terra, 46 sistemas estelares estão próximos o suficiente para que seus planetas interceptem um sinal claro da existência humana – as transmissões de rádio e TV que começaram há cerca de 100 anos, dizem os pesquisadores, segundo estudo publicado na revista científica Nature.
E assinalam que 29 planetas potencialmente habitáveis estão bem posicionados para testemunhar o trânsito da Terra e escutar esses sinais.
Além das 1.715, os astrônomos identificaram outras 319 estrelas em posição vantajosa para observar nosso planeta nos próximos 5 mil anos.
“Se há alienígenas vivendo em planetas ao redor dessas estrelas, com pelo menos um nível tecnológico semelhante ao de nossa própria espécie, eles teoricamente seriam capazes de nos localizar. Eles poderiam até mesmo ter observado como a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera da Terra aumentou nas últimas centenas de anos, desde a revolução industrial”, afirma a revista Nature, em uma resenha sobre o estudo.
A autora que liderou a pesquisa, Lisa Kaltenegger, astrônoma da Universidade Cornell em Ithaca, Nova York (Estados Unidos), afirma que os dados permitem um novo olhar sobre a vida extraterrestre.
“A discussão sobre se devemos ou não enviar um sinal ativo ou tentar esconder nossa presença sempre existe.”
Segundo ela, os terráqueos que buscam sinais de vida extraterrestre deveriam concentrar seus esforços nessas regiões — já que se houver vida alienígena avançada ali, essas civilizações estariam mais preparadas para se comunicar com a Terra, partindo do pressuposto de que elas já nos localizaram antes.
“Na busca por vida no cosmos, planetas em trânsito são atualmente nossos melhores alvos. Com milhares já detectados, nossa busca está entrando em uma nova era de descobertas com grandes telescópios que vão procurar por sinais de ‘vida’ nas atmosferas de mundos em trânsito”, afirmam os autores do artigo intitulado Estrelas do passado, do presente e do futuro que podem ver a Terra como um exoplaneta em trânsito.
“Observações dessas estrelas começaram a ser feitas recentemente.”
“Aqui relatamos que 1.715 estrelas dentro de 100 parsecs [uma medida de distância] do Sol estão na posição certa para ter visto vida na Terra em trânsito desde a civilização humana primitiva (cerca de 5 mil anos atrás), com um adicional de 319 estrelas entrando neste ponto de vista especial nos próximos 5 mil anos.”
Os cientistas destacam o planeta Ross-128, que já viu a Terra transitando em frente ao Sol no passado. Outros dois planetas — Teegarden’s Star e Trappist-1 — poderão observar o trânsito da Terra daqui a 29 e 1642 anos, respectivamente.
Os cientistas acreditam que as ondas de comunicações da Terra já passaram por 75 estrelas.
A análise dos cientistas mostra que mesmo as estrelas mais próximas geralmente passam mais de mil anos em um ponto de vista de onde podem ver o trânsito da Terra. Portanto, poderia se supor que o inverso também é verdadeiro: que esses planetas têm uma janela de mil anos para nos enxergar.
Caso haja vida avançada, ou pelo menos com o mesmo grau de tecnologia da Terra, isso permitiria que essas civilizações identificassem a Terra como um planeta com vida.
Megaestrutura
A descoberta foi possível graças ao observatório espacial Gaia da Agência Espacial Europeia, que compilou o melhor mapa tridimensional de estrelas já feito até hoje. Os cientistas dizem que o observatório “revolucionou” a compreensão que astrônomos têm dos sistemas vizinhos ao solar.
Ao jornal britânico The Guardian, a professora Beth Biller, do Instituto de Astronomia da Universidade de Edimburgo, na Escócia (Reino Unido), que não participou da pesquisa publicada na Nature, disse que o trabalho pode mudar a forma como os cientistas abordam a busca por vida extraterrestre.
“O que foi impressionante para mim foi como poucas das estrelas em 100 parsecs poderiam ter visto uma Terra em trânsito”, disse ela ao Guardian.
Astrônomos e escritores de ficção científica já especularam que as civilizações podem tentar sinalizar sua existência construindo “megaestruturas” artificiais que passam na frente de suas estrelas, diminuindo brevemente sua luz.
Alguns acreditam que a humanidade deveria planejar com antecedência algo semelhante para daqui a 29 anos, quando os olhos do sistema Trappist-1 podem talvez estar voltados para nossa direção.
“Talvez devêssemos pensar em instalar uma megaestrutura em trânsito para eles observarem”, disse René Heller, astrofísico do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar em Göttingen, na Alemanha, à Nature.
Por BBC