Por mais que se diga que o centro tático do momento conjuntural seja o enfrentamento do governo Bolsonaro e todas as suas políticas nefastas, os partidos de esquerda e os partidos em geral têm como foco as eleições de 2022. A CPI da pandemia não parece ser capaz de deslocar esse centro tático. Os partidos tomam iniciativas de propor o impeachment, mas mesmo com a queda da popularidade de Bolsonaro e com 49% a favor e 46% contra o impedimento, nada indica que ele prosperará.
As esquerdas e os movimentos populares ensaiam uma retomada das mobilizações no final do mês. Será um teste para averiguar seu poder de convocação. Convém lembrar que, desde 2015, o poder de convocação e de mobilização vem se mostrando débil. Para que o impeachment se coloque como uma possibilidade factível algumas condições são necessárias: grandes mobilizações, queda ainda maior da popularidade de Bolsonaro, agravamento das condições de governabilidade no enfrentamento da pandemia e agravamento da crise social e econômica.
Com as eleições se colocando na ordem do dia dos partidos prematuramente, observa-se um aumento das tensões no interior do PT e do PSOL. No PT, os movimentos de Lula e da direção se dirigem rumo ao centro. O encontro entre Lula e Sarney é a evidência maior desse caminho. A aproximação com o PSD e outros líderes do MDB também reforça essa sinalização. Nada foi dito do encontro entre os dois ex-presidentes. A boa política sugere que deveriam ter emitido uma nota pública conjunta após a reunião.
A política de Lula e da direção do partido está clara: montar uma aliança que vai da esquerda ao centro para vencer as eleições. Esta estratégia tem sua lógica e sua razão de ser. Considera-se que a tarefa central consiste em impedir nova vitória de Bolsonaro e, depois, reconstruir o desmanche do atual governo, reconstruir o Brasil com condições adequadas de governabilidade. Além disso, buscar alianças com setores de centro visaria impedir que uma eventual candidatura de centro-direita hegemonizasse esse campo político.
Esta política, porém, vem sendo criticada pelas correntes e dirigentes mais à esquerda. A esquerda preconiza uma frente democrática popular, que seja capaz de enfrentar o neoliberalismo, o capital financeiro, o oligopólio da mídia e de garantir a retomada do emprego e da industrialização, entre outras reformas democráticas. Sugere que a aliança ao centro seria uma espécie de repetição da experiência dos governos petistas, que foi importante, mas limitada. Quais são as razões da esquerda petista? Não enganar-se novamente com os setores de centro, conquistar o poder para fazer as mudanças estruturais para além de políticas sociais, fim da conciliação com grupos dominantes. Propõe uma política de conflito com o setor financeiro e com o agronegócio. Em síntese: política de desenvolvimento econômico comandada pelo Estado e autonomia política à classe trabalhadora, tirando-a da condição de ponto de apoio a setores da elite.
As tensões surgiram também no PSOL: a maioria da direção partidária e o grupo de Guilherme Boulos inclinam-se a fazer uma aliança com o PT e Lula. Este setor parece também avaliar que a principal tarefa consiste em derrotar Bolsonaro e a extrema-direita. Mas, para viabilizar a aliança, o PT teria que fazer concessões. Por exemplo, as mais importantes: Boulos candidato ao governo de São Paulo e, provavelmente, Freixo no Rio de Janeiro. O presidente do partido, Juliano Medeiros, publicou um artigo chamando a volta às ruas, mas sem explicitar uma centralidade tática.
A ala esquerda do PSOL, porém, defende uma candidatura própria. Um manifesto assinado por seis dos dez deputados federais do partido e por mais de três mil militantes indica a candidatura do deputado Glauber Braga e defende quatro eixos programáticos: derrotar o rentismo e o neoliberalismo, derrotar o modelo concentrador de terras e destruição ambiental, em defesa do serviço público com controle popular e mais direitos.
Tanto as duas alas do PT, quanto as duas do PSOL têm suas razões e desrazões. Lula e a maioria da direção do partido estão certos em querer vencer as eleições. O problema é que não dizem no que e como aprofundariam o programa de mudanças. Governariam cedendo aos aliados de centro?